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“Somos o clube da cidade”

Entrevistado: António Godinho, presidente da Ovarense

Portugal Sport: A Ovarense celebrou no final de 2021 o seu centenário, numa altura onde o mundo continua a enfrentar uma grave crise pandémica. Como é que descreve o que se passou nos últimos dois anos?

António Godinho: Há dois anos começou um pesadelo. Este é um clube histórico, que teve uma refundação, por assim dizer, e que vive muito dos sócios e assistências. No distrital temos sempre entre 600, 700 ou 800 pessoas a ver os jogos. Em jogos mais importantes já passamos os 1000 adeptos.

Dependemos portanto muito destas receitas e jogar uma época sem público, foi como se nos tirassem o chão. Lutamos com o coração, com a ajuda dos empresários locais e das pessoas do concelho. Somos um clube da cidade e a nossa base são as pessoas de Ovar, que tiveram consciência do momento que estávamos a passar, e juntos conseguimos atravessar estes anos de pandemia. Agora queremos voltar a crescer e regressar aos bons velhos tempos.

Gostaríamos de ter mais apoio das forças municipais. Os subsídios de apoio à formação são certinhos, mas o que poderia vir depois daí é pouco. O município tem outros problemas, a pandemia afetou tudo à volta e sabemos que é complicado. Temos agora a chance de dar um salto com a criação do nosso centro de formação. Ganhamos há dois anos o orçamento participativo e esperamos começar a obra, que são 30 metros de balneários e bancada no sintético que temos perto do shopping, estamos em conjunto com a Câmara de Ovar a tentar formas de exequir o plano pormenor para aquela zona, algo que foi feito com o basquetebol há uns anos atrás e agora acreditamos que é a nossa hora.

PS: Como foram celebradas as comemorações do centenário do clube?

AG: Felizmente o nosso clube tem muitos amigos. Quem passa por cá sente a camisola, já fizemos um jogo com algumas estrelas, homenageamos a equipa do tempo da segunda Liga, tivemos cá o Cândido Costa, que nos ajudou imenso na organização desse evento, tivemos o Dani, que jogou no Sporting e no Ajax. Também o Valdo do Benfica participou nesse evento.

Fomos premiados com muito carinho e foi um dia muito bem passado e muito agradável aqui no estádio.

PS: O confinamento e as sucessivas interrupções das competições, levaram à diminuição do número de atletas e associados, como aconteceu com a maioria das coletividades em Portugal?

AG: Perdemos atletas na formação. Agora estamos a recuperá-los. Os pais ficam um bocado de pé atrás com esta situação todo e a forma de combater a pandemia é também confusa. Ninguém sabe muito bem como lidar com a situação. Acredito que isto vai normalizar com o tempo.

Associados não perdemos porque fizemos um esforço para isso. Campanhas para regularização de quotas, sem prejudicar quem pagou sempre as cotas de forma consistente. E nesse sentido fomos felizardos.

PS: Apesar da Ovarense estar afastada das competições profissionais há alguns anos, o adepto do clube mantém o mesmo nível de exigência?

AG: O adeptos da Ovarense preocupam-se sobretudo com a certeza de que a equipa dá tudo. Já vi a nossa equipa a levar 3-0 em casa e o público a bater palmas. Como também já vi a Ovarense a vencer por 1-0 ou 2-1 e o público nada contente. É muito aquela coisa do coração, do bairrismo e não são só os resultados que interessam. Quando tivemos essa derrota de 3-0 eu ainda não era o presidente, mas estava a ver o jogo no estádio e assisti a um perfeito exemplo sobre o que é a Ovarense. Os jogadores deram tudo o que tinham e o público apoiou do inicio ao fim, por perceber o esforço dos atletas.

Importa referir o impacto que o nosso público tem nos jogadores. O atleta de distrital está habituado a ter as famílias, os 15, 20 adeptos que nunca faltam e pouco mais. Aqui temos todas as gerações vivas de Ovar a assistir aos jogos. Temos casos onde vem avô, pai e neto, temos ambiente de estádio, e isso marca a Ovarense e quem passa por esta casa não esquece. Somos o clube da cidade e no dia em que entrar um investidor no clube, se entrar, na minha direção isso não vai acontecer, a Ovarense irá perder muita da sua força. O nosso clube nunca poderá ser mais negócio que coração.

PS: Como se explica a raça vareira?

AG: Não se explica. Tem de cá vir. Tirando com o U. Lamas, de há três anos a esta parte, sempre que a Ovarense jogou fora, levava mais adeptos que o clube da casa. Há uns anos fomos a Castelo de Paiva e houve muita gente que ficou sem almoçar, porque os nossos adeptos encheram os restaurantes todos. Em Oliveira do Bairro foi igual.

PS: A Ovarense é pioneira no futebol feminino em Portugal. Como atual presidente do clube, de que forma analisa os recentes investimentos que estão a acontecer no futebol, na vertente feminina?

AG: Desde que assumi a presidência da Ovarense em 2018, sempre tive um cuidado especial em não fazer a distinção. Eu não tenho futebol masculino, nem feminino. Eu tenho equipas de futebol, umas formadas com atletas masculinos e outras com atletas femininas. A modalidade é a mesma e são tratados da mesma maneira.

A grande diferença que acontece mesmo é a afluência no estádio. No feminino não se nota tanto a presença do adepto, as pessoas sabem que a Federação está a apostar nas equipas femininas, no entanto essa aposta não passa para as associações de futebol. Começa e a acaba na Federação, o que prejudica o futebol de formação na vertente feminina, que por sua vez também prejudica este tipo de clubes. Em 2018 não havia salários para as meninas, em lado nenhum e hoje uma equipa de primeira de divisão tem de gastar no mínimo 10 mil euros mensais para sustentar os custo das atletas. Para não falar de todas as outras despesas.

A Federação dá uma compensação a quem milita na primeira divisão, o que não é o nosso caso, porque descemos no ano passado. Apesar disso tentamos não desprover a equipa feminina em relação à masculina, mas é cada vez mais difícil clubes como nosso conseguirem acompanhar essa situação. Um pouco como aconteceu com o futsal. Se formos ver os primórdios do futsal, muitos dos clubes pioneiros foram ultrapassados.

Cada vez há mais custos para sustentar as equipas femininas e mesmo quando vem cá o Canal 11 fazer transmissão, além do clube não receber nenhum tipo de benesse financeira, ainda tem muito mais custos nesse jogo, porque a organização do encontro passa a ser totalmente diferente.

PS: O investimento de clubes como Benfica e Sporting, prejudicaram clubes com menos poderio económico?

AG: Não olho por ai. Tudo o que forem investimentos é bom. Mas há outras formas de se poder crescer. Se falar com três ou quatro pessoas e falar que preciso de um central ou um ponta-de-lança para a minha equipa masculina, na semana a seguir tenho sete ou oito opções. Se disser que preciso de uma central no feminino, vou ter de picar entre duas ou três opções, se as tiver. Ainda há poucas atletas femininas e muitas não tem grande qualidade, porque começaram a jogar futebol mais tarde.

No meu entendimento o que seria bom seria uma maior aposta na formação. E depois sim abrir a porta a mais jogadoras de fora. Hoje olhamos para os planteis, fazemos a seleção nacional entre Sporting e Benfica, mas depois se formos ver os planteis dos clubes, temos meia dúzia de portuguesas e o resto são estrangeiras. As melhores jogadoras do campeonato são estrangeiras. E os clubes mais humildes não tem hipótese de competir no mercado com o Benfica, o Sporting ou o mesmo o SC Braga. Numa outra linha, equipas como o FC Famalicão vão secar o mercado das mais pequenas, para se aproximarem das equipas grandes. Um terço da tabela da Liga BPI tem grande parte da qualidade lá concentrada, e as outras equipas vivem numa realidade completamente diferente.

PS: O regresso à Liga BPI é um objetivo a médio prazo?

AG: A médio, a curto e a longo. Entramos sempre para ganhar qualquer jogo. Contra qualquer equipa. Pode ser difícil, pode não ser, mas vamos ter sempre esta atitude, este pensamento vai nos levar a coisas boas.

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