“Somos um clube de portas abertas à sociedade”
Entrevistado: Manuel Ferreirinha, presidente do SC Canidelo
Portugal Sport: O Canidelo está a disputar a Elite do Porto, uma das séries distritais mais competitivas do nosso país. Qual foi o principal objetivo delineado para esta temporada?
Manuel Ferreirinha: A divisão de Elite da Associação de Futebol do Porto sempre foi competitiva. Com a divisão em séries nós estamos sempre colados aos clubes aqui de Gaia, o que gera sempre uma certa rivalidade dentro da nossa própria série. As equipas são muito equiparáveis, podendo haver uma ou outra que se destaque, o que torna a Elite do Porto altamente competitiva, com exceção do ano passado, onde houve um formato esquisito, para se acertar aquela época pós-COVID 19, onde as coisas estavam um pouco baralhadas. Com a retoma à normalidade o campeonato ficou novamente competitivo.
Na nossa preparação para esta temporada, o que tivemos de fazer foi ajustar a equipa ao nosso orçamento, tornar essa equipa competitiva dentro das nossas possibilidades e nesta fase, uma vez que queremos fazer o clube crescer, aspiramos ficar na primeira metade da tabela.
Na próxima época há a possibilidade de criar uma Super Elite, que será uma divisão entre a Elite e o Campeonato de Portugal. Será apenas uma série, ou seja, para garantir lugar o lugar na Super Elite, teremos de ficar na parte superior da tabela classificativa esta época.
PS: O presidente tem alguma opinião formada em relação à criação da Liga 3, por parte da Federação Portuguesa de Futebol? A criação da Liga 3 acabou também por condicionar um pouco a organização existente do Campeonato de Portugal e das divisões distritais…
MF: Sempre que se cria uma Liga nova, acima da divisão onde estão os clubes regionais e de freguesia, torna-se mais difícil para eles subirem alguns escalões. As equipas começam a trabalhar de forma diferente e é quase como uma pirâmide, com a parte de cima mais estreita e depois vai-se alargando por aí a baixo. Torna-se mais difícil competitivamente e financeiramente que possamos aspirar a chegar mais longe do que a nossa realidade atual.
Não sei se é benéfico, se não é, é uma situação que me deixa com alguma apreensão, ainda não percebi bem o objetivo principal da Liga 3.
PS: Sente que a distrital perdeu um pouco de visibilidade com a criação de uma nova Liga?
MF: Não quero dizer que tenha perdido visibilidade. A AF Porto é uma das maiores ou até a maior associação de futebol do país, em número de praticantes. Isso por si só já é uma forma de notoriedade no panorama do futebol regional. A Liga 3 não atrapalha em nada o trabalho da Associação. De uma certa forma faz é que com exista uma distribuição diferente na profissionalização do futebol.
Nesta altura só podemos esperar para ver. Nos próximos dois ou três anos vamos ver a Liga 3 ganhar forma e seja cimentada no panorama do futebol profissional, para depois formar uma opinião. Neste momento em termos de implicações desportivas não noto grande diferença.
PS: Neste campeonato que está iniciar, qual é que entende que poderá ser a maior dificuldade do clube esta temporada?
MF: Desafios e dificuldades temos bastantes. E começa logo pela organização da equipa, com a competitividade que existe e com o número de clubes que existem ao nosso lado. A competitividade vai ser grande, as equipas são muito parecidas, a maioria dos jogos vão se definir com diferenças de um golo, dois no máximo, muitos empates. Vamos ter equipas que hoje ganham e amanhã podem já não ter essa felicidade e acho que quem conseguir ser mais regular, vai ter melhores resultados.
O campeonato está a começar, ainda temos poucas jornadas disputadas, mas das equipas que vimos, há um equilíbrio muito grande entre as equipas, seja em qualidade, como em intensidade de jogo e nível tático.
Futebol de formação
PS: Cada vais mais no seio dos clubes portugueses, a formação assume um papel fundamental, naquilo que é o planeamento do futuro do clube. Dentro do SC Canidelo qual é o peso que a formação tem atualmente, relativamente ao vosso projeto para o futebol?
MF: Eu gostava que fosse maior. Quando iniciamos esta direção, no primeiro mandato, afirmamos que a formação é a nossa prioridade. Porque se olharmos para o futuro e pensarmos na sustentabilidade do clube, se não tivermos jogadores da casa vai ser muito mais difícil suportarmos as despesas de uma equipa sénior.
Também queremos que o clube seja uma referência local na formação. E isso só sendo competitivos, só tendo equipas competitivas. Neste momento temos quase todas as equipas de formação na segunda divisão, o que para nós é um problema. Temos de captar talento e competitividade, quer na parte de talentos, quer na parte de coordenação, para começarmos a ter as equipas em divisões superiores. É o trabalho que estamos a desenvolver atualmente.
Os grandes investimentos atuais do clube estão relacionados com a formação. E isso reflete a nossa forma de pensar o clube e a gestão do mesmo. Privilegiamos a formação em termos de condições, que é neste momento a única coisa que podemos garantir. Trabalhamos também internamente para que as pessoas lá forma se apercebam que o SC Canidelo está a fazer alguma coisa diferente pela sua formação, para assim conseguirmos captar mais jovens e jovens com mais talento.
PS: Que tipo de pedagogia é que o presidente acredita para a formação: formar para ganhar títulos e prestigio ou formar cidadãos responsáveis para o futuro?
MF: No SC Canidelo vivemos uma realidade que é semelhante a muitos outros clubes. Quando um menino se destaca dos demais, temos logo uma escola do Benfica, o FC Porto, o Salgueiros, o Leixões… aparecem rapidamente clubes para tentarem perceber quem é o miúdo. Através da comunicação entre clubes nós recebemos os e-mails a pedir para o miúdo ir treinar a essas outras escolas. E nós comunicamos ao encarregado de educação, explicamos que o miúdo foi sinalizado e somos a favor que eles lá vão.
Internamente, temos uma pedagogia que se os miúdos tiverem de ser jogadores, não o vão ser no SC Canidelo. Temos boas condições, um bom ambiente em todo o lado, queremos ser uma instituição de referência, mas há depois a parte de “profissionalização” dos miúdos, que só pode acontecer em grandes escolas, como no FC Porto, no Benfica ou no Sporting. Há miúdos que trabalham e tem o sonho de ir para esses clubes, mas o nosso objetivo principal é que todos estes miúdos trabalhem, pratiquem desporto e que gostem de competir. A nossa maior preocupação é que estas crianças evoluam enquanto pessoas.
PS: Quantos atletas tem atualmente na formação?
MF: Os campeonatos de formação ainda estão a começar. Por isso ainda estamos a ter mexidas em termos de número de atletas. Só quando as inscrições de jogadores fecharem, é que fazemos a contabilização de jogadores que estão na nossas equipas. O ano passado tivemos 277 atletas e este ano estamos perto dessa marca. Andamos sempre entre 250 e 280 atletas.
PS: A pandemia trouxe consequências para o trabalho que estavam a exercer na formação?
MF: A pandemia levou a um ligeiro decréscimo de número de atletas. Mas não tivemos perdas muito substanciais nessa vertente. Tínhamos cerca de 300 atletas antes da pandemia e no ano seguinte ficamos com cerca de 280. As coisas ainda não estavam muito bem definidas em termos de campeonatos, a Associação dizia para inscrevermos os miúdos e nós enquanto clube estávamos a jogar com as datas lançadas e com as informações que iam chegando todos os dias, para saber o que fazer relativamente às inscrições das equipas.
Perdemos alguns atletas, mas tendo em conta a dimensão da pandemia, não perdemos num valor muito significativo. E conseguimos manter a estabilidade no clube.
PS: Sentem ainda hoje preocupação por parte dos pais em relação ao COVID-19?
MF: Neste momento e acho que transversal a todas as áreas, o entendimento que temos do vírus é que será uma gripe normal no futuro. Dentro do clube não vejo grande preocupações por parte dos encarregados de educação em termos de condição do espaço. Mas mantemos na mesma o gel, as desinfeções das instalações… em termos de limpeza mantemos os cuidados que aprendemos a ter com o aparecimento da COVID-19.
Olhamos para bancada, para o bar do clube, para a secretaria e não vemos sequer ninguém de máscara.
PS: O SC Canidelo vive a realidade de ser um clube de Gaia, ou seja, tem como vizinhos uma grande quantidade de clubes dentro do mesmo concelho, um ou dois clubes por freguesia, para não falar dos clubes do Porto, que estão relativamente perto. Dentro destas condições geográficas, como é que o clube trabalha na captação de atletas.
MF: A este nível é complicado. Aqui ao lado temos o Candal e o Coimbrões, dois clubes numa só freguesia. Há muitos clubes. Havia 24 freguesias e mais de 24 clubes. Com a união de várias freguesias, o número de clubes mantém-se, enquanto o número de freguesias diminuiu.
De certa forma, num clube como SC Canidelo, os miúdos tem um papel muito grande no scouting. Aqui funciona muito o passa a palavra. As equipas técnicas e elementos de coordenação do clube fazem scouting de jogadores, como é lógico. Contactam clubes que estão na mesma divisão ou em divisões superiores ao SC Canidelo, para saber que possibilidades existem. Há miúdos que poderão ser dispensados e que pela sua área de residência poderão considerar interessante jogar no SC Canidelo. Mas essencialmente são os miúdos, que na escola, no gripo de amigos, fazem essa divulgação do clube.
As portas do clube estão sempre abertas e temos também os nossos meios, as redes sociais, que acaba por trazer alguns miúdos.
Futebol feminino. Uma possibilidade ou uma certeza?
PS: Em Portugal está a acontecer o fenómeno do crescimento do futebol feminino. Uma aposta evidente da FPF. Para o SC Canidelo a formação de uma equipa de futebol feminino é uma realidade de futuro?
MF: Já estamos a trabalhar nesse projeto. O futebol feminino é uma ideia que temos para o SC Canidelo desde o nosso primeiro ano. Mas houve a pandemia pelo meio, que aliado a um conjunto de situações internas nos levou a adiar.
O futebol feminino é um projeto que tem de ser criado de raiz, com uma base forte. O mais fácil seria juntar uma dúzia de meninas e tentar cativá-las para jogar no SC Canidelo e depois juntamos mais três ou quatro e temos uma equipa. Mas isso era um projeto que poderia ser a curto prazo. Se as miúdas se chateassem com alguma coisa, a equipa acabava e lá se ia o projeto do futebol feminino.
Temos pensado numa estratégia para iniciar este ano, não em ambiente de competição, mas sim em termos de captação de jogadoras. A academia que começamos este ano é mista, para meninos e meninas. Portanto já temos uma estratégia a pensar na angariação de atletas, para que na próxima época já seja permitido entrar em competição.
PS: No que diz respeito a infraestruturas, o clube está preparado para crescer em número de equipas?
MF: Temos boas instalações para que isso aconteça, com alguma sobreposição de horários. Seja como for já temos inclusivamente um espaço reservado, para a construção de mais dois balneários, para conseguirmos separar o departamento masculino e o feminino, a nível de futebol de formação. É algo que já está acautelado.
SC Canidelo e Canidelo
PS: Dentro daquilo que tem sido a sua experiência enquanto presidente do SC Canidelo, como classifica a relação entre o clube e a freguesia?
MF: A freguesia, tirando os sócios mais antigos, não vive muito o clube. Já fizemos algumas campanhas de sócios mas não temos cativado muita gente. Mas não nos podemos queixar de termos pouca gente a ver os jogos da equipa ao domingo. Temos sempre casas bem compostas, mas nota-mos que os recém chegados à freguesia não criam nenhum tipo de relação com o clube.
Canidelo tem quase 50 mil habitantes e eu não vejo esse número a passar para aquilo que é o número de sócios do clube. Em Vila Nova de Gaia as pessoas tem sempre o seu primeiro clube, e muito raramente esse primeiro clube é o da terra. A maiorias das pessoas que gosta do SC Canidelo ou é por simpatia por ser da terra, por antiguidade, por ter o filho ou o neto aqui a jogar.
PS: Através do trabalho da formação, motivar os meninos para gostar do clube, é possível que daqui a 10 ou 15 o SC Canidelo possa ter um bairrismo mais forte, comparativamente com a realidade atual?
MF: Tentamos transmitir aos miúdos aqueles que são os nossos valores e aquilo que para nós é o desporto. É a nossa intenção fazer crescer o clube e o trabalho tem de ser feito a partir da base. Neste momento se não fossem os sócios, os donativos e outros apoios que temos institucionais o clube não subsistia.
Canidelo não tem uma área industrial, é basicamente um dormitório com serviços de apoio a quem cá reside. Enquanto assim for é difícil conseguir grandes patrocínios assinaláveis.
PS: O clube tem as portas abertas à entrada de um investidor, que possa gerar riqueza para o clube se profissionalizar?
MF: Neste momento seria difícil o SC Canidelo ser profissionalizado por si só. Uma Liga profissional tem encargos financeiros enormes e participar numa competição desse nível só seria possível com um investidor por detrás da organização. Nesta altura o SC Canidelo não tem possibilidade de estar num campeonato profissional.
Por exemplo, tivemos dois treinos com o Rebordosa, um cá e um lá. O Rebordosa subiu ao Campeonato de Portugal este ano. A pancada inicial em termos de valor financeiro, com a inscrição das equipas e primeiro salário, e outras imposições e garantias que o Campeonato de Portugal exige, ronda os 50 ou 60 mil euros. É um valor que não conseguimos acompanhar de maneira alguma.
PS: Consegue partilhar connosco uma memória, ou uma das principais memórias que tem, relacionado com o SC Canidelo?
MF: Acho que a principal memória está relaciona com os meus primeiros anos de jogador. Comecei a jogar no SC Canidelo, com oito anos. E essas são as melhores memórias. Dos oito aos 14 anos joguei nesta instituição, em condição que nada tem a haver com as atuais, em pelado, à chuva, ao sol, com pedras à mistura e apesar de todas essas dificuldades, os momentos vividos são de forte nostalgia e nunca serão esquecidos.
PS: Que mensagem gostaria de deixar aos sócios e adeptos do SC Canidelo?
MF: A mensagem que gostaríamos de passar é para que os adeptos do SC Canidelo continuem a ser os adeptos que tem sido até então. Que consigam trazer amigos e familiares aos nossos jogos, para que eles também se tornem adeptos do clube.
Defendemos que o clube tem de estar de portas abertas à sociedade, a todas as áreas da freguesia, sejam elas ligadas ao futebol ou outro tipo de atividade. Queremos trabalhar em rede, portanto venham nos bater à porta. Estamos sempre abertos a parcerias.