“Iremos voltar mais fortes”
Entrevistado: Tiago Machado, coordenador técnico da formação do Moreirense FC
Portugal Sport – O Moreirense FC atravessa um período delicado no que diz respeito à formação, uma vez que está temporariamente suspenso das competições nacionais. De que forma é que o clube está a trabalhar para trazer estabilidade aos jovens jogadores, enquanto desenvolve um novo projeto de formação?
Tiago Machado – Estamos a reconstruir a casa, é preciso perceber o que aconteceu, porque é que estamos cá em baixo, sendo que estamos ainda a aguardar uma decisão concreta. Aliado à suspensão, vivemos num meio rodeado de clubes e que vem cá buscar jogadores, sobretudo se não conseguirmos estar nos nacionais.
É preciso também perceber o contexto do clube no geral. Somos o clube de uma terra pequena a competir com clubes de cidades enormes. Temos no Minho muitos gigantes adormecidos, como Gil Vicente, o FC Famalicão, o FC Vizela, que envolvem muitas pessoas. A nossa estratégia terá sempre de passar por uma estrutura diferenciada. Por exemplo, os escalões das camadas jovens do clube, são gratuitos. Não há mensalidade, só mesmo nos moreirinhas. E ninguém é dispensado dos moreirinhas para os benjamins.
O presidente acredita que o futebol é para todos e enquanto ele poder, o clube vai atuar desta maneira. Temos uma rede de transportes para ir buscar os miúdos, temos 95% dos miúdos a viver fora de Moreira de Cónegos, e é preciso muita logística.
Com a saída de muitos miúdos, tínhamos 15 contratos de formação, os clubes sabendo o que se passou foram atrás deles e nós aceitamos de bom grado rescindir com eles. Não prendemos cá ninguém. A maioria saiu para continuar a competir em campeonatos nacionais e nós aceitamos as saídas todas.
Quando esta situação aconteceu, eu reuni-me com os pais no campo, expliquei a situação, mesmo tendo nós pouca informação sobre o nosso próprio futuro. Disse que compreendia que muitos estavam no clube não por gostar do Moreirense FC mas sim pelo facto do clube competir nos nacionais. Quem entendeu que deveria sair, poderia sair. Em setembro juntei os pais novamente e quem continuava no Moreirense FC seria inscrito.
A verdade é que apesar do que aconteceu, no clube não falta nada. Temos nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, temos várias valências que nos permite continuar a trabalhar a formação da melhor maneira possível.
Outra situação: Moreira de Cónegos tem quatro mil pessoas a viver na freguesia. Quando estão quatrocentas pessoas na bancada, estão 10% da freguesia. E estamos num contexto habitacional muito limitado. As nossas instalações envolvem terrenos que pertenceram aos Almeidas, presidentes antigos do Moreirense FC e o Almeida mais antigo, o pai, sabendo que os filhos eram gastadores, determinou que os terrenos só poderiam ser vendidos na quarta geração. Ou seja, há muito espaço para crescer aqui em redor, mas legalmente esses terrenos não podem ser comprados pelo clube.
PS – A obra que o Moreirense está a construir vai dar um novo impulso à formação?
TM – Um impulso bastante forte. É um investimento bastante forte do clube. Já temos dois relvados de apoio à equipa sénior, contamos ter no final do primeiro trimestre deste ano, um campo sintético de futebol de 11, de apoio à formação. Mais para a frente iremos construir um mini-estádio e o edifício central, com os balneários da equipa sénior e os alojamentos. Será sem dúvida uma mais valia, porque vamos aumentar o espaço das camadas jovens, vamos ter estruturas novas e isso vai permitir outro conforto em termos de horário de treino. Que é algo que me preocupa bastante. Considero que em Portugal sobrecarregamos muito os nossos jovens.
Vai ser possível ter mais treinos em campo inteiro e não tanto em meio campo, o que vai mudar o tipo de treino.
PS – Essas novas estruturas vão tornar o clube mais atrativo em termos de captação de jovens talentos?
TM – Sim, será uma grande ajuda. Já temos um conjunto grande de situações que podem levar a essa procura. A começar, tal como referi anteriormente, pelo facto de não termos mensalidades incluídas. Dos 10 anos, aos 18 anos, os miúdos não pagam qualquer mensalidade. Apenas tem de comprar o kit, que são 130 euros, que tem o equipamento de jogo, fato de treino, etc. Os próprios equipamentos de treino são cedidos pelo clube, a única coisa que pedimos é que no final da época desportiva sejam devolvidos.
Temos ainda a ajuda do transporte, com o autocarro do clube, que possa ir buscar os miúdos. Temos a nossa equipa de fisioterapeutas dentro da estrutura, que dão um apoio diário e nos jogos. A nutricionista também está sempre presente no clube, temos uma psicóloga que faz parte da estrutura e nos últimos tempos ainda conseguimos uma parceria com uma pessoa da área da podologia. Portanto, há um forte investimento da nossa parte, para que o nosso atleta esteja acompanhado em vários pontos de vista durante o seu desenvolvimento, quer como individuo, quer como jogador. Será muito mais fácil ser um grande jogador de futebol, se for um bom indivíduo em primeiro lugar.
PS – Enquanto entidade formadora, como caracterizam a mentalidade do clube?
TM – Fundamentalmente queremos deixar a nossa identidade. Queremos que os miúdos conheçam as raízes do Moreirense FC e as raízes de Moreira de Cónegos, uma terra de pessoas humildes e trabalhadoras. Temos de passar valores de entrega, humildade e espírito de sacrifício.
Claramente também gostamos de ganhar e temos de incentivar os atletas a ter essa mentalidade. Não ganhar a todo o custo, mas ter uma identidade ganhadora. Muito à imagem do clube, que de pequenino se fez valente.
PS – Com toda a situação envolta da pandemia e também da suspensão nas provas nacionais, qual é o universo de atletas da formação do Moreirense FC neste momento?
TM N- este momento temos por volta de 180 a 200 atletas. Temos menos 40 a 60 atletas dada a suspensão do clube nos campeonatos nacionais. Perdemos muitos jogadores, eles quiseram sair e não íamos ser nós a travar o percurso deles. O clube teve de ser reorganizado nesse sentido, mas penso que voltaremos a ficar mais fortes do que este ano, atingindo novamente os patamares que conseguimos no passado, que são os campeonatos nacionais.
PS – Em 2023 poderemos ter novamente o clube envolvido nos campeonatos nacionais dos escalões de formação?
TM – Isso seria perfeito. Estamos aguardar uma decisão da Federação. Estamos preparados para todas as eventualidades, seja para ser recolocados nos campeonatos nacionais, ou então ter de fazer o trajeto desde o inicio. Não será um processo linear, a acontecer vai ter altos e baixos, mas fruto do nosso trabalho vamos conseguir. Iremos voltar mais fortes.
PS -nCom o alargamento das infraestruturas do clube, o futebol feminino vai ser uma realidade?
TM – Já tivemos um projeto nesse sentido, que não avançou por causa da pandemia. Neste momento temos uma proximidade muito grande de instalações com a nossa equipa sénior e não há espaço. Com o próximo sintético que vamos colocar, poderá abrir-se uma nova janela que permite a criação de uma equipa de futebol feminino, porque queremos ter o feminino, mas com qualidade e com conforto para as pessoas. Vamos criar esse projeto com pés e cabeça.
PS – Dos 5 aos 10 anos as equipas são mistas?
TM – Sim. Neste momento estamos a tentar nessa idade começar a cativar o futebol feminino. Queremos começar logo aí com algumas miúdas nesses primeiros escalões, e começarmos assim a nossa etapa de criação de futebol feminino, já com identidade, a conhecer o clube.
PS – Existe algum tipo de diálogo ou preparação dentro do clube, para possibilitar a transição de um atleta sub-19 para a equipa principal do Moreirense FC?
TM – Nós sabemos que cada vez mais é difícil fazer a ponte dos sub-19 para o plantel profissional. Estamos a pensar em criar uma equipa nova que ajude na transição, não sei será uma equipa de sub-23 ou uma equipa B, mas é uma das ideias da direção.
Importa salientar que sempre houve no Moreirense FC um acompanhamento muito grande entre a equipa principal e os juniores. Havia sempre alguém scouting que fazia esse acompanhamento, ou até o próprio diretor desportivo, que tem uma grande aproximação com o coordenador da formação e muitas vezes viam os jogos juntos. Sempre existiu essa aproximação, contudo, nem sempre é possível conseguir essa transição de júnior para sénior do Moreirense FC, mas vamos tentar nos próximos anos ter essa dita equipa B ou sub-23, que facilite depois no processo de transição.