Entrevista a Valter Ascensão, presidente dos South Side Boys
Portugal Sport – Começando por falar do seu percurso dentro da claque dos South Side Boys, quando é que o Valter se juntou ao grupo? É um dos membros originais da claque?
Valter Ascensão – Não. Não estou na claque desde a fundação. Tinha 10 anos quando a claque foi fundada, em 1994. Mas desde cedo que tenho uma “maluquice” por claques. Ainda em criança, ia com o meu pai ver os jogos do Farense fora de casa, quando íamos defrontar os grandes. E recordo-me de ver as claques desses clubes e achar tudo aquilo magnifico.
Fiquei fascinado com claques desde essa altura. Quando os South Side Boys apareceram fiquei vidrado com a claque do Farense. Mesmo sem estar nos South Side, já gostava em criança de ver os jogos ao lado deles. Já era adepto do Farense e ia ver os jogos todos do clube, se possível ao lado da claque.
Quando fui estudar para Lisboa, o Farense estava muito mal e praticamente os South Side Boys eram os únicos que procuravam apoiar o clube. O Farense andava no distrital a jogar com os juniores e a levar aos seis e aos sete e os South Side estavam lá. Quando voltei para Faro, os seniores do Farense foram dissolvidos e muito graças aos South Side, que procuraram apoios e apoiaram listas administrativas, foi possível mais tarde fazer uma equipa, a competir na segunda distrital. Nesse ano em que voltei, não falhei jogo nenhum, nem no ano a seguir, na primeira divisão distrital.
Como via muitos jogos do Farense e era próximo dos South Side, juntei-me à claque nessa fase da história do clube. Devido à minha maneira de ser, sou uma pessoa que gostava de fazer as coisas, de ser ativo, tornei-me influente no grupo. Estive dois anos como membro não diretivo, depois fui convidado para a direção, onde fui vice, até que há coisa de três anos, tornei-me no presidente dos South Side Boys.
PS – Após 19 anos a militar em divisões inferiores, o Farense voltou a disputar a Primeira Liga em 2020/2021, com os estádios interditos toda a temporada. Foi inglório regressar ao topo nesta altura?
VA – Até vou mais atrás. É estranho dizer isto, mas o pior de tudo foi não termos subido no estádio. A pandemia entrou e nós festejamos com um sabor amargo. Ao fim de 19 anos e inúmeros sacrifícios, onde acompanhamos o clube por todo o lado, não podemos presenciar a subida ao principal patamar do futebol português. Durante anos a fio, saímos de madrugada para o norte para ver o Farense, chegamos a ir à Madeira três vezes num mês, sempre para apoiar o Farense. Fizemos muitos sacrifícios pelo amor que temos a este clube. Sonhamos durante anos com o sonho do golo que marcaria a subida de divisão. Sonhamos muitas vezes com o final do jogo decisivo, com o abraço aos companheiros, todas as celebrações possíveis e tiraram-nos isso.
Não era nada disso que queríamos. Não vivemos do sucesso desportivo, vivemos do estádio, da paixão do futebol e das emoções. Tiraram-nos um sonho tão bonito. Foi terrível não termos direito a esse momento.
PS – Face a todos os condicionamentos inerentes à pandemia, qual foi o papel da claque na época passada?
VA – Dizer que se houvesse público não descíamos, é relativo. Mas a verdade é que o forte do Farense são os jogos em casa e não devemos ter tido uma época tão má em jogos em casa como o ano passado.
Como claque, íamos falar com os jogadores, para tentar motivá-los, ensiná-los os valores do Farense. Fizemos escolta aos jogadores até ao estádio por diversas vezes. Apoiávamos sempre que tínhamos essa hipótese. Chegamos a ir para cima de prédios apoiar. Com faixas, bandeiras, tudo. Jogo a jogo íamos pensando em maneiras de apoiar a equipa.
PS – Além do futebol, os South Side Boys marcam presença no pavilhão para apoiar nas modalidades?
VA – Sendo justo, tem sido uma falha nossa. Queremos que seja uma política mais recorrente apoiar as modalidades. Sei que não é fácil ter tempo para tudo, o Farense já mexe com a nossa vida pessoal. Mas vamos tentar escolher jogos específicos para apoiar o futsal, o basquetebol e os jogos de formação. Para passarmos a mística do Farense a esses jogadores também.
PS – Qual é a opinião do Valter em relação ao cartão do adepto?
VA – É um problema para nós e para os clubes. Porque quem fez aquilo não percebe nada do que está a fazer, nunca deve ter estado num estádio de futebol. Aquilo tem regras absurdas, não sei qual é o objetivo deles. Mas tem regras discriminatórias. Nunca na vida fui a um jogo de futebol para criar confusões. Claro que o futebol mexe com emoções e as vezes as coisas tornam-se mais intensas. Muitas vezes até fora do estádio.
Mas sou um sócio como todos os outros, só que gosto de estar a cantar, a saltar, gosto da festa do futebol à antiga. E não percebo o porquê de ter de ser discriminado. Nós vamos às escolas tentar conquistar adeptos para o Farense. Explicar que este é o nosso clube da terra e que eles podem ir ao estádio connosco, e uma das regras atuais é que o cartão do adepto não é permitido a menores de 16 anos. Além dos miúdos das escolas, os filhos dos nossos membros também iam. E agora com o cartão do adepto vai ser um problema com os mais novos.
As autoridades e os dirigentes estão obrigados a cumprir com a lei, mesmo que não concordem com a mesma. Temos de respeitar a posição deles.
PS – O Farense é um dos clubes mais respeitados e admirados em Portugal. Uma das razões disso acontecer deve-se à força da massa adepta do clube, que conquistou a admiração dos adeptos de clubes adversários que visitaram o São Luís. Como se explica o bairrismo do Farense?
VA – É algo natural. Mas ao mesmo tempo trabalhamos para isso. E os South Side Boys tem tido um papel importante para expandir a mística do Farense. Nós fazemos campanha, pintamos paredes pela cidade toda com os nossos lemas. Além de que nós e o clube, somos um exemplo de persistência e de garra. Desde o distrital que tínhamos boas assistências e a nossa história é inspiradora para os adeptos do futebol.
Aliás, quando caímos, por um lado foi bom, pois separou o adepto bom do mau. Quem ficou, gosta mesmo, e felizmente foram muitos que ficaram. E ainda mais vieram. Nós colamos murais pelas cidade, temos faixas de apoio por toda a cidade. O clube já esteve de costas viradas com a cidade, mas nós queremos que, onde quer que uma pessoa vá em Faro, que veja o símbolo do Farense e os lemas do clube. És de Faro, és Farense.
Queremos que os adeptos sejam do Farense e de mais clube nenhum. Pode ser utópico, mas trabalhamos sempre nesse sentido.
PS – Os South Side Boys tem alguma inspiração em especifico?
VA – Não temos uma inspiração especifica. Gosto do movimento ultra italiano. Às vezes vejo um cântico ou uma coreografia e tento adaptá-los à nossa escala. Não há um grupo em especifico que me inspire, gosto pessoalmente dos adeptos do Nápoles. O povo napolitano é louco pelo clube e estiveram com ele mesmo na terceira divisão italiana. Ter o estádio cheio com 70 mil pessoas na terceira divisão é inspirador.
PS – Como perspetiva para o Farense, a época 2021/2022?
VA – Nós vamos sempre acreditar até ao fim. Acabou de começar a época, temos de recuperar rapidamente, se queremos ainda lutar por objetivos. Mas eu apoiei o Farense quando jogava nos pelados. Já o vi o clube passar por tanto, por isso estar nesta posição hoje é muito bom. Eu vou ao estádio, apoiar a equipa e divertir-me. Se conseguirmos subir ainda bem, Se não, para o ano há mais.
Temos uma excelente direção, este foi mais um passo atrás, mas não tenho duvidas que daqui a 10 anos vamos estar ao nível de um SC Braga. Temos um projeto para isso, mas é uma caminhada longa, com passos em frente e alguns atrás. Mas a longo prazo teremos sucesso.
PS – Qual é a memória mais marcante relacionada com o Farense?
CA – Foi uma descida de divisão. Numa segunda divisão B. Tínhamos subido, com um plantel curto, onde fomos impedidos de inscrever jogadores na pré-epoca. Era uma fase complicada, um ano muito duro. Fizemos uma primeira volta horrível. E depois chegamos ao ultimo jogo e precisávamos de empatar para manter a equipa na segunda divisão B. Estávamos a ganhar, tivemos um jogador expulso e perdemos o jogo. Mas essa época foi madrasta em todos os sentidos. Até o treinador morreu a meio da época. Tivemos uma segunda volta positiva, os jogadores deram tudo no último jogo e choraram quando perderam.
A atitude dos jogadores marcou os adeptos e nós aplaudimos fortemente essa equipa nesse dia fatídico. O Farense desceu, mas nós reconhecemos que os jogadores deram tudo, perderam porque os outros eram melhor. Mas deram tudo em campo e ganharam o nosso respeito. Foi um momento muito emocionante, num dia trágico e chuvoso.
O que tentamos passar aos jogadores é mesmo isso. Os outros podem ser melhores e ganhar, mas nós temos de ter garra e dar tudo em campo quando representamos o Farense. Só pedimos isso.