Entrevista ao presidente adjunto do Leça FC Fernando Monteiro
“Temos uma base jovens que procura singrar no futebol”
Portugal Sport – O Leça é um histórico português, que passou por um período menos bom, mas que agora está em caminho ascendente. De que forma conseguiram reorganizar o clube, sobretudo nesta fase pandémica, de modo a conseguirem uma época francamente positiva, como foi o caso da última temporada?
Fernando Monteiro – É sabido que o Leça tem passado dificuldades a partir dos anos 2000. Tivemos uma herança pesada, no mau sentido, deixada pelas anteriores direções. O ano passado tivemos um parceiro que nos ajudou de alguma forma, fizemos uma equipa com qualidade e conseguimos um campeonato fantástico, que nos deu o acesso à Liga 3. Infelizmente por processos vindos de trás, não conseguimos inscrever o clube na terceira Liga. Nós como clube conseguimos desenvolver todo o processo nesse sentido, mas a Federação Portuguesa de Futebol não nos aceitou. Inscrevemos o clube como SAD, e a Liga aceitava. A FPF não aceitou e tivemos de continuar no Campeonato de Portugal.
Foi uma luta inglória, estivemos perto da própria Liga 2, foi um ano incrível, com a ajuda de todos, direção, staff, jogadores, equipa técnica, trabalhamos todos muito para conseguir subir de divisão. Infelizmente a FPF não aceitou as nossas certidões.
PS – O lugar do Leça desportivamente seria a Liga 3. Este ano os adeptos serão exigentes com a equipa e com os resultados desportivos, uma vez que o Leça desportivamente deu provas o ano passado que consegue competir acima do Campeonato de Portugal?
FM- A massa adepta do Leça é sempre exigente, não se preocupa se o clube tem dinheiro ou não. O Leça hoje não pode ter subsídios nem apoios em vários meios. A Associação Cultural e Recreativa de Leça da Palmeira foi criada para poder receber os subsídios da formação e essas coisas todas. Os grandes subsídios, as grandes empresas de publicidade, não estão a pagar. E as que pagam pela associação sabem que o Leça está em dificuldades e fazem propostas baixas. E nós temos de aceitar.
Mas a exigência dos sócios é a mesma. Eles não querem saber se há dinheiro ou não, querem ganhar jogos e se o Leça não ganha protestam com a direção. Isso é unânime no futebol. Mas estamos convencidos que vamos fazer uma época, ao espelho do ano passado.
Começamos bem, temos uma boa equipa que mistura a experiência e a juventude. Temos uma base muito jovem, com garra, força e que querem singrar no futebol. Nada cai do céu, eles tem de trabalhar para isso. É é o que estão a fazer. A equipa técnica está contente com os jogadores e os jogadores estão contentes com a equipa técnica.
Mesmo nos treinos se nota que temos uma grande relação entre plantel e técnicos. Temos confiança que as coisas vão correr bem.
Mas continuamos à procura de um parceiro que nos ajude em termos económicos, para poder resolver problemas que estão para trás. E também que nos ajude a projetar um futuro vencedor. Também já estou no clube há alguns anos e temos de fazer a ponte para a nova geração. Estou nesta casa desde 2002, primeiro como vice, depois de 2007 até 2010 como presidente, e desde aí como presidente adjunto. E apanhei todo o tipo se situações, com anos difíceis. Em 2007 o clube tinha orçamento de Liga 2. Quem cá estava era irresponsável, no primeiro mês quase não havia dinheiro para pagar ordenados.
Também não consegui formar uma direção, trabalhamos com muito pouco tempo e foi extremamente complicado colocar um rumo no clube. Vivemos coisas “gangstarianas”. Mas o futebol desde ai mudou muito, as pessoas que tem vindo para o clube tem muita qualidade, dão-nos muito apoio e segurança.
Por isso, o futuro do Leça está garantido. Mas enquanto cá estou continuo com a mesma paixão. Tantos anos a viver o clube, torna-se a nossa vida. E estamos com vontade, força e vamos levar o Leça para o bom porto. Em três, quatro anos colocamos o Leça limpinho e depois vamos lançar o clube para novos voos.
Nesta fase, falta aparecer o investidor, que queira trabalhar no Leça e respeite o clube.
PS – Os problemas inerentes à pandemia dificultou a capacidade de gestão do clube? Sobretudo em termos de formação?
FM – Houve muita gente que desertou. Os pais tinham medo, não levavam os miúdos aos treinos. A formação parou em termos competitivos e isso desmotiva os miúdos. Mas estamos a arrancar bem. A juventude gosta de desporto e de futebol, por isso os miúdos vão voltando. Mas claro que ainda não é a mesma coisa. Será uma questão de tempo até voltar ao normal.
PS – O futuro dos clubes portugueses vai passar pela formação?
FM – Devia passar. Não entendo o caso de grandes clubes, com jogadores fantásticos nas seleções, e que depois não são aposta na primeira equipa. Cancelo, Bernardo Silva, saem daqui e dão cartas nos gigantes europeus.
Nós, Leça FC, somos obrigados a vender, mas vendemos os melhores depois de jogarem três ou quatro anos no clube. Os clubes tem de aproveitar a formação. Ainda para mais o jogador é da terra, começa no clube, sente a camisola de forma diferente. Quando eles sentem o emblema, são jogadores diferentes. E a formação é uma aposta do Leça.
Temos escalões dos sete aos 19 anos, com mais do que uma equipa por escalão. E isso não era uma realidade no passado. Temos hoje uma estrutura, algo bem feito, temos a formação certificada, só falta termos uma equipa nos nacionais.
O Leça ainda está a sair da incubadora, com alguma segurança e ponderação. Seja na formação ou noutro aspeto qualquer, o nosso trabalho tem sido sempre seguro e consciente.
PS – Ao longo destes anos todos, com subidas e descidas, a relação entre o Leça FC e Leça da Palmeira, manteve-se forte?
FM – Em Leça há uma situação suis generis. Éramos uma freguesia de verão, para onde vinham os ingleses. Quando começou a evolução imobiliária, chegaram muitas pessoas que não eram de Leça. E não se soube na altura chamá-los para o clube. Aliás, o Leça com os anos perdeu inclusivamente as modalidades. Tivemos um presidente que acabou com as modalidades. Por isso é que hoje Leça da Palmeira tem outras coletividades onde as modalidades estão albergadas.
Perdemos muitos atletas e sócios com o que se passou, e os clubes que deram seguimento ao andebol e ao basquetebol começaram do zero, sem condições nenhumas, mas seguiam em frente porque gostavam das modalidades. E hoje são coletividades respeitadas e com uma identidade própria.
Independentemente de tudo, o leceiro sempre esteve com o Leça, levamos pessoas onde quer que vamos jogar. Existe nesta freguesia um bairrismo muito grande. Foi uma pena o que fizeram às modalidades. Ainda hoje no futebol, se formos jogar a Paredes, enchemos o estádio com leceiros. E é um amor que segue de geração em geração, de pai para os filhos, que depois fazem passar a mística do clube aos seus descendentes.
PS – Para quando o futebol feminino no Leça FC?
FM – Assim que tivermos condições para tal. Hoje vemos cada vez mais mulheres nos estádios, temos excelentes atletas a jogar futebol em Portugal, é um segmento cada vez mais forte e vamos no futuro investir no feminino. Mas primeiro temos de livrar o Leça dos problemas que tem, e construir com segurança o nosso futuro.
Há problemas de há 20 anos por resolver. Essa é a nossa missão. Mas temos todo o respeito pelo futebol feminino e é algo que queremos definitivamente incluir no clube. Neste momento temos o futebol, a formação, bilhar, patinagem e futsal. E já é algo que pesa bastante para tudo o que Leça pode suportar.
PS – Que memória guarda com mais carinho que envolva o Leça FC?
FM – Com um orçamento de 4 mil euros, fomos campeões distritais. Tínhamos jogadores a ganhar 50 e 75 euros. Era um ano zero, completamente sem expetativas. Fomos campeões e alcançamos o Campeonato de Portugal. Foi um feito marcante e que não está ao alcance de qualquer um.
De memórias antigas, quando o Leça subiu pela primeira vez e tinha uma equipa verdadeiramente maravilhosa.