Esmoriz GC – Entrevista ao presidente António Guilherme
Portugal Sport – O Esmoriz vem de uma época interessante em termos de conquistas e sucesso desportivo. Ao longo do último ano como é que conseguiram manter o ritmo competitivo, face ao período conturbado que se assistiu nas modalidades de pavilhão?
António Guilherme – Foi complicado. Foi um trabalho hercúleo por parte das equipas, dos treinadores e dos diretores dos escalões, em conciliar esta pandemia com a competição.
Começamos a treinar regularmente a formação em setembro. Em janeiro tivemos de parar, e só podiam treinar as equipas seniores. Fazer a gestão de todos estes jovens foi muito difícil. Estamos a falar de jovens que gostam de voleibol, gostam de treinar e gostam de competir.
PS – A perda de atletas foi um problema no seio do clube?
AG – Logo de inicio, com este cenário pandémico, tivemos uma redução de atletas. Perdemos cerca de 20% do número de atletas. Os pais não se sentiam à vontade que os filhos estivessem a treinar e em contacto com outros atletas.
Os treinos eram limitados, mediamos a temperatura, tudo era monitorizado desde o momento em que entravam os atletas até à saída no final do treino. Fizemos muita testagem. Posso dizer que fizemos neste clube para cima de 1500 testes. Foi uma tarefa hercúlea para esta direção. Até eu estive a fazer testes aos atletas. Trabalhamos sempre com cuidados redobrados. O plantel sénior não masculino inclusivamente não teve um único caso de COVID-19.
PS – Neste momento já tem tudo planificado para uma temporada dentro da normalidade?
AG – Nesta altura já temos os nossos técnicos orientados, com os atletas seniores, femininas e masculinos, já definidos para cada plantel. Fizemos um trabalho antecipado ao terminar a época. Vamos ver agora em que moldes as coisas vão acontecer. O que hoje é, amanhã pode não ser.
PS – Clubes como o Esmoriz tem rivais com um porte económico bastante mais forte. O clube sentiu maior dificuldade perante esse tipo de adversários nas últimas temporadas?
AG – Há sempre os crónicos históricos do voleibol. Com o regresso do Sporting há mais um candidato ao título. O Esmoriz não tem condições financeiras para lutar pelo título. Vencemos este ano um título em seniores masculinos, algo que não acontecia desde 1984.
As equipas vão se reformular. Benfica e Sporting tem muitas mudanças, o Sp. Espinho está a construir uma equipa interessante. O Leixões também estará mais forte. A Académica de Espinho será uma incógnita. Subiram à primeira divisão com um projeto muito ambicioso, com o Miguel Maia como figura desse mesmo projeto.
Vai ser um campeonato muito competitivo, mais do que o ano passado. Qualquer equipa dos 18 primeiros lugares pode ambicionar ficar ali no terceiro ou quatro lugar. Nós vamos lutar para isso, é para isso que trabalhamos, mas com os pés assentes da Terra. Mantemos a estrutura da equipa, tirando o libero, mantemos o Seis base. E isso é uma mais valia para nós na próxima temporada.
PS – Vamos ter jogadores da formação a transitar para o plantel sénior?
AG – Isso temos sempre de ter. O Esmoriz é um clube modesto mas com tradição. Se não tivermos jogadores a passarem da formação para os seniores, não seriamos um clube formador. Mas sim um clube mercenário. Ter um miúdo a pagar para estar no clube toda a formação, para depois nenhum subir, não acrescentava nada à nossa imagem de clube formador. E o Esmoriz é formador e tem resultados nesse sentido. Fomos campeões nacionais de sub-21, com seis jogadores dos seniores. Ou seja, dos seniores temos seis jogadores sub-21. E este é o caminho para o voleibol em Portugal.
Construir um plantel com estrangeiros fica caro. Os jogadores pagam todos os anos taxas internacionais, o que encarece o orçamento da equipa. O ano passado tínhamos dois atletas estrangeiros, este ano vamos ter só um. Vamos continuar a apostar em portugueses e em trabalhar o que temos.
PS – Face à tradição do voleibol nesta região, é fácil captar jovens talentos para os escalões de formação do clube?
AG – É uma questão complicada. O voleibol na década de 90 era maioritariamente masculino e havia uma grande aptidão para o voleibol. Mas o paradigma mudou. Pelo menos aqui há volta. Temos muitos clubes de futebol aqui ao lado, temos a Ovarense e o basquetebol, o Paços de Brandão também, há o ténis, o badminton, há muita oferta em termos de modalidades. Hoje em dia é mais difícil captar um atleta para o voleibol.
Em termos de captação às vezes não conseguimos captar o que queremos. Este ano captamos mais do que habitual, mas queremos ainda mais. Além de captar precisamos de fidelizar um atleta. Não queremos começar um escalão com 30 e acabar a época com dez. O marketing desportivo também é importante. Nem toda a gente tem aptidão para jogar voleibol, mas quem gosta merece uma oportunidade. Ter aqui um atleta a treinar sem jogar, vai eventualmente desmotivar e abandonar a modalidade. É preciso criar uma simbiose entre competição e o bem estar do atleta. E o bem estar muitas vezes passa por jogar, nem que seja um bocadinho.
PS – O titulo dos sub-21 reforça o poderio do Esmoriz enquanto clube formador?
AG – Demonstra o bom trabalho que é feito na formação do clube. É um titulo muito saboroso, conquistado a duas jornadas do fim, em casa, com público. Conseguimos ter nas bancadas 210 pessoas, sempre com as condições de segurança exigidas pela DGS. Foi o primeiro titulo de sub-21 e o Esmoriz foi o primeiro campeão. Com uma equipa belíssima, das melhores equipas que o clube teve em juniores. Não tivemos concorrência à nossa altura.
PS – A conquista da Taça da Liga foi ingrato ter acontecido com o recinto fechado?
AG – Foi. O público galvaniza as equipas. Nós levamos apenas uma comitiva com apenas 12 pessoas, tivemos o presidente da câmara de Ovar a ver a final em Lisboa, mas manifestamente tínhamos pouca gente a apoiar a equipa. E foi um jogo que se houvesse público teria dado muito mais cor ao espetáculo. Fomos até a negra de 29-27. Foi uma eliminatória disputada até à ultima e nós tivemos mérito e a estrelinha da sorte do nosso lado.
Na chegada cá, com o título, tivemos celebrações com os devidos limites. Os bombeiros receberam-nos, fecharam as estradas e nós demos uma volta por Esmoriz, com as pessoas na varanda a congratular a equipa. É um título importante para o clube, para a cidade e para o município.
Foi o culminar de uma época muito boa para o orçamento que temos. Teve de haver um trabalho muito árduo de toda a gente, técnicos, adjuntos, e jogadores. Eles sabiam que só ganhávamos o título se nos superássemos. E nós fomos melhores que o Sporting, ponto. Foi uma pena a falta de assistência num momento como este.
PS – Os adeptos do Esmoriz podem aspirar a algo mais esta temporada?
AG – O que os adeptos do Esmoriz podem ter é a certeza de que os jogadores vão lutar por algo. Não há épocas iguais, podemos fazer melhor, ou pior. Queremos sempre mais, mas não quer dizer que isso se proporcione. É preciso saber o que temos e os adeptos sabem que o Esmoriz é um clube com tradição, mas é um clube modesto.
PS – Um dos próximos desafios é resgatar as seniores femininas das divisões inferiores?
AG – Temos um projeto para as seniores femininas. Que passa por levar a equipa num espaço de dois anos à primeira divisão. O feminino não é o patinho feio do clube. O paradigma mudou, hoje há mais atletas femininas que masculinos e o Esmoriz não ter uma equipa feminina a competir na primeira divisão, é um contrassenso. Como vou buscar pessoas para o clube quando temos as seniores nas divisões inferiores? Em dois, três anos, precisamos de ter uma equipa na primeira divisão.
Fazer um projeto de subida de divisão com portuguesas é difícil. Jogadoras com qualidade jogam normalmente na primeira. Fazer um downgrade para um projeto de subida não é fácil. Ao estar na segunda não podemos ter um orçamento muito grande. Muitas vezes temos de ir buscar ao estrangeiro pessoas que queiram jogar em Portugal, seja em que campeonato for. Agora a jogadora portuguesa está habituada a jogar na premiria divisão, vem jogar para a segunda de que maneira? O estigma da segunda divisão e existe, mas passo a passo e com racionalidade vamos chegar lá. Irracionais passaram aqui muitos, infelizmente. Esta direção já tem um centro de estágio quase a funcionar, tem campos de areia, um heatlh club reabilitado e quatro títulos. As coisas estão a mudar e vamos continuar no caminho da responsabilidade.