Entrevista a José Augusto, coordenador técnico do futebol de formação do Portimonense
Portugal Sport – O Portimonense criou uma nova equipa de seniores, que se encontra a competir na distrital do Algarve, enquanto o futebol profissional está sob a alçada da SAD. Esta nova equipa é constituída por atletas formados no clube. Qual foi o vosso objetivo ao criar esta nova equipa de futebol sénior?
José Augusto – Temos como missão continuar a formação dos atletas. Há uma lacuna entre o futebol amador e o profissional. Dos 19 aos sub-23 há uma lacuna que quisemos aproveitar. O nosso compromisso é continuar a dar oportunidade aos jogadores da formação para crescerem e evoluir. A missão é continuar a formar e o compromisso é que os atletas evoluam ainda mais.
PS – Como caracteriza a filosofia da formação do Portimonense? Formar futebolistas profissionais ou adultos responsáveis?
JA – A nossa filosofia passa por formar jogadores de elite, que possam chegar a competições profissionais. Se tivermos uma filosofia de elevados objetivos, onde os jogadores tem de se superar constantemente, com disciplinas, regras e horários, e isso também contribui para que um atleta se transforme num adulto melhor. Claro que não podemos controlar a educação que eles tem em casa ou as companhias deles na escola, e esses fatores podem deturpar o crescimento de um ser humano responsável.
Acredito que ao querermos formar jogadores de elite, vamos formar adultos responsáveis, jovens com forte capacidade de superação, pessoas de sacrifício, mentalmente fortes. Se um miúdo conseguir suportar todas as dificuldades que envolvem o futebol de formação, de certeza absoluta que se vai tornar uma pessoa melhor. Mas temos um patamar de exigência que visa formar futuros profissionais de futebol.
PS – No Algarve é fácil trabalhar nas captações, tendo em conta o número de população a viver de Lisboa para baixo?
JA – Vamos ver as coisas por outro prisma. Falam muito da captação de jogadores portugueses, mas a realidade é que 66% dos jogadores da primeira Liga são estrangeiros. Mesmo nos sub-23 há muitos estrangeiros. Cada vez mais recebemos imigrantes que fazem parte da nossa comunidade. Aqui por estarmos numa área turística, temos muitas propostas de jogadores estrangeiros, que mandam e-mails a pedir para vir cá jogar. Nós aproveitamos e fazemos o link do futebol de formação com a questão turística do Algarve. Recebemos bastantes miúdos estrangeiros, com muitas equipas que vem aqui estagiar. Tivemos australianos, japoneses, irlandeses…
Temos outra situação, temos muitos miúdos fora da Europa que querem vivenciar uma experiência europeia no futebol. E recebemos aqui miúdos que nos pagam para os termos uma semana treinar connosco. Na verdade, não temos o problema de falta de jogadores. O nosso problema é a falta de infraestruturas, um problema que brevemente vai ser solucionado.
Temos o campo Major David Neto, doado pelo major ao clube. E temos um terrenos onde vamos fazer mais dois campos de futebol e estruturas de apoio ao clube. Temos também outra estratégia bastante particular. Precisamos de equipas fortes ao nosso redor para crescermos. Por isso mesmo, até aos 12 anos, o Portimonense não vai buscar atletas a lado nenhum. Temos por outro lado a dificuldade do Benfica, Sporting e FC Porto nos virem buscar miúdos.
PS – É impossível segurar um atleta que esteja a ser aliciado por um dos três grandes?
JA – Não temos política de os segurar. Quando as coisas são bem feitas, até nos engrandece. E o que esperamos é o retorno financeiro que acontece quando eles começam a assinar contratos profissionais. Para nós é um orgulho quando isso acontece. Quer dizer que estamos a trabalhar bem.
Importa salientar que além de querermos formar jogadores de elite, queremos formar treinadores de elite. E isso também é importante para fortalecer a nossa formação.
PS –Para quando uma equipa de futebol feminino no clube?
JA – Quando entrei aqui em 2019, era um dos dois grandes projetos que lancei ao presidente. Um era a equipa sénior, que foi lançada entretanto. E a equipa feminina foi outro grande objetivo. Mas atualmente temos de ter prioridades, e com falta de campos não podemos ter os femininos. Mas vai acontecer, é um fenómeno que está a crescer e nós queremos acompanhar essa tendência.
PS – O vosso corpo técnico é constituído por pessoas ligadas ao futebol enquanto atletas?
JA – Temos um critério muito forte nesse sentido. Muitos dos nossos treinadores são ex-atletas do clube. Ao mesmo tempo são formados em educação física, com especialização em futebol. Faz parte da nossa filosofia. Procuramos que um jogador que termine aqui a sua formação, continue ligado ao clube, e quando eles são formados e especializados, tem as portas abertas. Nas idades mais baixas procuramos também ter pessoas fortes em termos de pedagogia, nas idades mais avançadas, queremos técnicos com maior experiência.
PS – Além da competência profissional, para se trabalhar na formação desportiva, é preciso paixão por este segmento?
JA – Sem dúvida. Tenho muitos anos de formação. Cheguei a ser treinador da equipa profissional e tive uma experiência no Sp. Covilhã, regressando ao Portimonense para coordenar a formação. Conheço bem o mundo da formação e a parte do futebol profissional. Temos de ter muita paixão quando trabalhamos a formação. Há um retorno diferente ao trabalhar nos grandes palcos, mas há uma alegria muito grande quando vemos atletas nossos a singrar no profissional e a reconhecer o trabalho que fizemos quando eles eram miúdos. E felizmente acontece muito, o que engrandece o nosso trabalho. É um sentimento muito forte quando vemos os frutos de muitos anos de trabalho.
PS – Em termos pedagógicos, a responsabilidade também maior, quando falamos em futebol de formação?
JA – É uma responsabilidade imensa. Temos aqui 500 miúdos, que a juntar a familiares e amigos cria uma comunidade de 3000 pessoas. Não conseguimos agradar a toda a gente, ninguém consegue. Mas temos as nossas filosofias, os nossos caminhos e acreditamos na responsabilidade do nosso trabalho. Da-mos todo o acompanhamento ao atleta, temos gabinete de nutrição, psicologia, médicos e fisioterapeutas, a tempo inteiro no clube. Queremos crescer ainda mais, dar melhor apoio nas escolas aos miúdos. Mas é um passo de cada vez. Financeiramente temos uma carga muito grande de despesas, mas felizmente temos alguns parceiros que nos ajudam e permitem que o clube continue forte na formação.