“Quero ganhar títulos no FC Famalicão”
Entrevistada: Rute Costa, capitã do FC Famalicão
Portugal Sport – Tendo começado no voleibol, como se deu a transição para o futebol e como descreves o teu percurso até chegares ao FC Famalicão?
Rute Costa – A minha transição para o futebol foi quase acidental. Joguei voleibol durante sete anos, a equipa que representava não tinha o escalão para o qual eu tinha subido, tinha uma proposta de outro clube, mas os compromissos escolares não permitiram conciliar o voleibol com os estudos.
Por brincadeira, fui a um torneio de futsal, uma rapariga que estava a fazer as captações para o Martim viu algum jeito em mim, e convidou-me para ir para o clube, tinha eu 16 anos. Fui à captação, fiquei na equipa, como avançada. No ano seguinte passei para a baliza e foi o começo de um sonho feliz. No futebol consegui cumprir com alguns sonhos que tinha no voleibol e tem sido um percurso verdadeiramente feliz, hoje estou no FC Famalicão, passei por lesões, paragens, joguei a sul, joguei a norte, fiz um pouco de tudo.
PS – Como guarda-redes, tens alguma grande inspiração?
RC – Não tenho nenhuma grande inspiração na baliza. A minha referência no futebol era o Iniesta. Por irónico que seja, nenhum ou nenhuma grande guarda-redes foi uma referência no meu percurso, mas o Iniesta é sem dúvida o meu ídolo. Pode parecer que não tem nada a haver com a minha posição, mas ele era um jogador inteligente, com visão de jogo, características que um guarda-redes também tem de ter para saber analisar as várias situações do jogo.
PS – Em termos de estrutura, notas-te alguma diferença naquilo que é o FC Famalicão, em relação ao clube onde estavas?
RC – Desde a transição do amador para o profissional, as condições são muito diferentes. Quer em recursos materiais, quer em recursos humanos. Foi uma transição muito diversificada e o profissional está muitos pontos acima. O FC Famalicão é uma equipa profissional altamente capacitada e dentro daquilo que foi a minha experiência como profissional no SC Braga durante quatros anos, o FC Famalicão assemelha-se bastante em termos de condições. Aqui temos todas as condições para evoluir e fazer a crescer a modalidade, o que acaba por ser o mais importante, uma vez que o futebol feminino ainda é amador na maioria.
No futuro só posso desejar que todas as equipas da Liga BPI possam atingir este nível de profissionalismo, para que cada vez mais existam melhores condições para as jogadoras e para que a modalidade possa crescer.
PS – Apesar do maior mediatismo, ainda hoje existe uma grande discrepância competitiva entre algumas equipas, nomeadamente as profissionais e as que continuam amadoras?
RC – Sim, bastante. Eu estive nos dois lados, sem bem a diferença de uma equipa profissional para uma amadora. Nos amadores as condições não eram as melhores, treinávamos três vezes por semana, às 21h30 da noite. Na altura estava a estudar e tinha as responsabilidades académicas, tinha colegas a trabalhar o dia todo e era desgastante treinar a essa hora. Muitas vezes treinávamos só com meio campo, os clubes acabavam por privilegiar o treino dos rapazes, havia falta de material… há todo um conjunto de situações de lamentar, mas felizmente o futebol feminino foi crescendo e as condições nas equipas profissionais são totalmente diferentes.
Hoje posso estar focada a 100% no futebol, treino todos os dias de manhã, como somos remuneradas, como é o nosso trabalho, temos sempre maiores cuidados extra-futebol para manter os nossos níveis de forma. Acho que até por isso devemos valorizar as jogadoras que estão na parte do amadorismo, que trabalham e tem forças para treinar quando se calhar o mais fácil seria estarem em casa a descansar. Há toda uma luta envolvida e um stress inerente, mas elas chegam ao domingo e conseguem bater-se de frente com equipas profissionais, e é de louvar o que elas fazem.
Mas a verdade é que na maior parte dos casos nota-se bem a diferença de rendimento entre uma equipa profissional e uma amadora. Apostar na modalidade e investir para que todas as equipas tenham as mesmas condições será uma parte importante para que o campeonato tenha maior competitividade. Tem havido esse esforço por parte de alguns clubes, por parte da Federação, mas ainda estamos um bocadinho aquém, para haver um patamar de igualdade entre todas as equipas. Dai os resultados expressivos que se vê às vezes.
PS – Como jogadora experiente, sente a diferença mediática em torno do futebol feminino?
RC – Os olhos agora estão muito mais atentos ao futebol feminino. Começa a haver interesse, o mediatismo está a crescer, no fundo o futebol é um negócio e qualquer pessoa que faz uma aposta quer um retorno. E é preciso que se comece a criar capacidade para existir retorno para quem investe no futebol feminino. Porque senão vão ser apenas investimentos ocasionais e algo momentâneo.
Já aconteceu no passado clubes a investir numa equipa de futebol feminino e fechar a secção porque a aposta não trouxe retorno. É importante que o futebol feminino comece a trazer lucro aos investidores para ser uma modalidade tão forte no feminino como é no masculino.
PS – A afluência de público nas bancadas, também se começa a sentir?
RC – Sim, em alguns jogos nota-se bem a presença de público. Também depende do adversário, há clubes que trazem mais adeptos e isso é totalmente aceitável. Mas hoje há pessoas que gostam de ver o futebol feminino, já notam qualidade de jogo, técnica e velocidade. Houve um salto qualitativo de uns anos a esta parte e as pessoas começam agora a perceber isso.
PS – Qual é o grande objetivo da Rute com as cores do FC Famalicão?
RC – O meu objetivo é ganhar títulos. No SC Braga estive mais anos e queria ter ganho um título. No FC Famalicão quero também ganhar um título e acho que o clube tem condições para lutar por isso. Quer um título nesta casa e vamos ver se é este ano que isso acontece.
PS – Este ano esse objetivo é possível?
RC – Pensamos muito jogo a jogo. Na primeira fase queríamos o apuramento para a fase de decisão de campeão, conseguimos isso. Estamos vivas no campeonato, na Taça da Liga e na Taça de Portugal… vamos jogo a jogo, sabemos que há outros candidatos ao título, esta segunda fase é muito competitiva, os resultados parecem quase aleatórios, nada é previsível e temos de fazer o nosso caminho passo a passo.
PS – Face ao investimento feito pelo clube, de ano para ano a ambição tem de ser maior?
RC – Todos os anos temos de ter uma ambição crescente. Todos os anos o projeto do clube melhora e o caminho tem de ser esse, de querer mais, estar mais disponível, representar melhor este símbolo, para agradecer o esforço que esta direção tem feito no futebol feminino.
PS – Sentem no balneário que o futebol feminino é acarinhado pela direção do FC Famalicão?
RC – Este projeto é suportado por pessoas que tem uma enorme paixão pelo futebol, a começar pelo presidente, que tem um amor pelo futebol feminino como eu nunca vi em nenhum dos clubes onde passei. Toda a direção é uma reflexão da ideia do presidente, com amor e carinho pela modalidade. Este projeto é especial por isto, temos pessoas com amor genuíno pelo futebol feminino e isso torna este projeto muito mais verdadeiro. Fazer parte desta dinâmica é muito satisfatório para toda a gente, sobretudo por causa do envolvimento que existe à volta do futebol feminino no FC Famalicão. Nós jogadoras percebemos isso, sentimos isso, e é também por isso que representar o FC Famalicão tem um sentimento diferente.
PS – Como capitã de equipa, está atenta aos escalões de formação do clube?
RC – Sim, temos inclusivamente meninas que jogam na formação e treinam connosco, e tem de haver essa preocupação. O futuro é delas. Nós estamos a fazer um caminho para que quem vier a seguir, tenha melhores oportunidades. As jogadoras da minha fase, da fase anterior, temos de ter a capacidade de perceber que estamos a lutar para que o futuro seja melhor, e não ficarmos apenas a pensar no nosso momento em particular.
Quando eu comecei a jogar era amadora, mas hoje já temos meninas que estão na formação e entram diretamente para uma equipa profissional, o que é ótimo. Quando essas meninas chegarem à nossa idade vão ter uma capacidade ainda maior do que a nossa, com mais qualidade e é nesse sentido que temos de levar a formação a sério. São elas que vão dar continuidade ao trabalho que está a ser desenvolvido hoje no futebol feminino.
PS – Jogadoras como a Rute e atletas da mesma geração, vão servir de modelo para as jogadoras do futuro?
RC – Sem dúvida. Há uns anos atrás eu não acreditava que seria possível ser profissional de futebol em Portugal e isso aconteceu. Houve uma mudança rápida de paradigma e é importante que hoje os pais e as jogadoras percebam que a escola é importante, estudar é importante, sendo possível ao mesmo tempo investir numa carreira como futebolista.