Na cidade dos jesuítas quem reina é o leão
Se há um clube cuja grandeza nunca será esquecida, esse clube é o Tirsense. O emblema de Santo Tirso é a única e grande paixão da sua massa associativa e assistir um jogo quente no estádio Abel Alves de Figueiredo, é uma verdadeira experiência religiosa. Em 2020, os jogos que decidiram a subida aos nacionais comprovaram que este gigante está adormecido, mas que ainda é o rei leão no seu território.
O regresso aos nacionais não tem sido fácil para o Tirsense. A subida coincidiu com o problema que abala o mundo há mais de um ano, pandemia do novo coronavírus, e sem adeptos para serem o 12º jogador em campo, o Tirsense sobreviveu no Campeonato de Portugal, tendo realizado em março o seu último jogo.
O momento não é fácil para o clube, que vive constrangimentos financeiros, além de sofrer de falta de infraestruturas. No entanto, o sonho de regressar ao mais alto patamar do futebol nacional manter-se-há vivo até ao último suspiro de cada adepto jesuíta. Ricardo Silva é o novo presidente do Tirsense, assumiu o clube há seis meses e tem plena consciência do desafio que tem pela frente.
“Nunca tive um cargo de direção desportiva na minha vida. Sou apenas mais uma pessoa que quer ajudar este clube a reerguer-se. E esta é a mentalidade da nova direção do Tirsense. Somos todos pessoas que simplesmente querem dar um rumo ao nosso clube”, refere Ricardo Silva em entrevista à Portugal Sport. O presidente do Tirsense adianta ainda que “a estratégia para reerguer este clube é simples: unir o Tirsense à população local. Infelizmente a cultura desportiva portuguesa passa por apenas três clubes. As pessoas podem ter simpatia que quiserem pelos três grandes ou por outros clubes, mas tem de defender o Tirsense. Temos de encher o nosso estádio, ser o 12º jogador em campo. Se a população estiver com o clube, o clube cresce. Tudo começa por ai. Ninguém se pode esquecer que o Tirsense é que representa a nossa cidade”.
“Se Santo Tirso tiver um clube forte, vai ser também uma cidade forte”
Fundado em 1938, o Tirsense sempre foi uma das instituições mais respeitadas e acarinhadas em Santo Tirso. Na época de 1994/1995, os jesuítas conseguiram a melhor classificação da sua história, um oitavo lugar na primeira divisão nacional. No seu palmarés o Tirsense conseguiu ser campeão, no futebol sénior por três vezes: campeão da 2ª Divisão em 1969/1970, campeão da Divisão de Honra em 1993/1994 e campeão da divisão de honra da AF Porto em 1999/2000.
Apesar deste último título, os leões de Santo Tirso passaram da elite do futebol para os campeonatos não profissionais na última parte da década de 1990, perdendo protagonismo para outros clubes da zona norte, como o Desp. Aves e hoje em dia, o Famalicão. Recuperar o protagonismo é um dos passos fundamentais para alavancar o Tirsense e Ricardo Silva deixa o apelo, para que assim que possível, os adeptos venham aos estádio. “Nós vamos criar condições e motivos para nos visitar. Queremos ver pessoas no Abel Alves, a aplaudir o Tirsense. As pessoas da terra tem de perceber que este clube pode fazer algo por nós. Quando o Tirsense estava na primeira divisão, eu recordo-me de ver o estádio sempre cheio e depois via o movimento na cidade. Se Santo Tirso tiver um clube forte, vai ser uma cidade forte. Vai ser bom para a economia da cidade. Por isso acreditem em nós, venham ao estádio e vamos levar o Tirsense em frente”.
Ricardo Silva assegura ainda que “esta direção pode ser ainda ´verde´ dentro do dirigismo português, mas ninguém aqui é nabo. Estamos no clube há meio ano, mas estamos aqui para ganhar”.
Fazer do futebol uma religião e do estádio um santuário
Na conversa entre a Portugal Sport e o presidente do Tirsense, a necessidade de ter adeptos no estádio foi várias vezes referida como a principal solução para acordar este gigante do norte de Portugal. Ricardo Silva, também ele proprietário de um negócio local no concelho, garante que as “empresas irão obter novos lucros se o futebol estiver vivo na cidade. Se o domingo for um dia religioso de futebol, a economia vai florescer com esse movimento. Basta ver o fluxo comercial que se seentiu quando há dois anos na baixa da cidade e nas lojas, quando o estádio enchia para ver o Tirsense no distrital. As pessoas do norte são apaixonadas, tem o sangue quente, são o povo perfeito para criar uma dinâmica que permita que toda a cidade cresça, através do fenómeno do futebol”.
Para o dirigente a paixão do futebol nem sequer depende da divisão. “Eu sou um apaixonado por futebol. E toda a gente da minha direção jogou à bola, independentemente do nível em que tenha jogado. E isso também não interessa, da última divisão à Liga dos Campeões, o entusiasmo de ver a bola a entrar é o mesmo. Se as pessoas começarem a ir ao estádio já a partir da próxima época, eu garanto que as empresas e as forças municipais vão gostar e isso vai fazer do nosso clube, uma instituição mais forte e atrativa”.
Formação: “A menina dos nossos olhos”
Nos últimos anos a formação tem vindo a ganhar cada vez mais importância dentro do clubes portugueses. Dentro do futebol europeu, o jogador português está mais valorizado do que nunca e projetar um jogador para os grandes palcos, pode levar ser a ejeção de capital perfeita, para um clube português se começar a desenvolver e a “agigantar”. Criar jogadores de formação que possam dar o salto para o plantel principal, evitando despesas de contratações, é também uma estratégia necessária na realidade dos clubes portugueses.
Para o Tirsense, a aposta na formação será para começar no imediato, embora seja um processo complicado de acontecer. A formação do clube dos jesuítas não é a mais bem organizada, com falhas de infraestruturas, material técnico e equipa médica. O novo presidente do clube considera que será fundamental “criar condições para que os nossos meninos queiram ficar aqui”. Ricardo Silva faz alusão a um projeto de formação que irá começar dentro do próprio estádio do clube tirsense. “Temos um edifício no Abel Alves que está subaproveitado. Vamos usa-lo para ser a Casa da Formação, com uma sala de estudo para os miúdos estudarem. O aproveitamento escolar será muito importante para nós e se um miúdo não tiver aproveitamento, não joga. Tal como acontece nas grandes escolas de formação. Vamos exigir isso”. A Casa da Formação terá ainda um bar/cantina à disposição das crianças, tal como uma sala de convívio, “para elas brincarem e jogarem PlayStation, quando tem de jogar. É fundamental que elas passem tempo no clube, que sintam o Tirsense e este símbolo que carregamos ao peito”.
De forma a atrai novos atletas e até a descobrir novos talentos, a direção do Tirsense garante que se irá aproximar cada vez mais da população e das coletividades locais. “Vamos às juntas e aos centros recreativos. Vamos inclusivamente aos outros clubes de Santo Tirso. Temos várias equipas no futebol popular e queremos chegar a essas mesmas instituições. No final da época queremos que os treinadores do concelho escolham o melhor onze do popular, para fazermos uns treininhos com eles, uns jogos e quem sabe poderemos descobrir talentos que possam servir o Tirsense da melhor maneira”.
“Vamos estar próximos das instituições, vamos convida-los a a ver o nosso clube ao domingo. O campeonato do concelhio é também um objetivo para nós. Aliado com a formação, que chamamos de menina dos nossos olhos. Os jovens do Tirsense vão crescer com a mentalidade de que este é o nosso clube. Aqui lutamos, aqui morremos”.
Mudar mentalidades
Além de novos atletas, o Tirsense procura novos adeptos. Para os leões de Santo Tirso é fundamental mudar a mentalidade de que em Portugal só existem adeptos dos três grandes. Os jesuítas neste momento não tem 1000 sócios pagantes mas a direção já traçou o objetivo de chegar aos 7000 associados, estando neste momento em vigor uma campanha de angariação: Ajuda o clube da tua cidade e #nãosejasantigo.
Nas palavras do presidente, “o nome do Tirsense pesa, estamos a falar de histórico nacional. Mas esta direção tem valor para suportar esse peso. Porque fomos nós que demos a cara a luta quando ninguém queria pegar no clube. Conseguimos em pandemia não perder sócios e até ganhar alguns”.
Com bastantes ideias para colocar em prática na próxima época, Ricardo Silva garante que o clube também só irá construir, aquilo que depois conseguir suportar financeiramente. Foi por isso mesmo que a equipa B do Tirsense foi desmontada. “Não há dinheiro. Temos um projeto, mas não para uma equipa B a jogar distritais. Pretendemos ter uma equipa de Sub-23, para ligar os juniores aos seniores. E dos Sub-23 vamos buscar os melhores para a equipa principal. Mas nesta fase inicial ainda não é possível e é uma garantia que damos aos adeptos: só vamos até onde temos dinheiro para”. O presidente explica que o endividamento do clube é um problema real e torna insustentável a quantidade de modalidades e escalões que o Tirsense tem.
O eclestismo apesar de ser uma ambição, não pode, pelo mesmo motivo, ser uma realidade, pelo menos para já. “No futuro sim, mas só quando tivermos condições para isso. Não vamos deixar o emblema na mão de ninguém e fazer uma modalidade autónoma, mas sem os nossos valores. Se somos a direção temos de ter mão nas modalidades. Se não tivermos dinheiro, não o vamos fazer, mas se tivermos dinheiro, seremos ecléticos”. O mesmo se passa em relação ao feminino, como explica Ricardo Silva. “Se tivermos chance de apostar no futebol feminino, apostamos. Até porque a modalidade está a crescer e eu gostei muito de ver os jogos do feminino. É uma aposta que queremos mesmo assegurar, mas para isso outras vão sofrer. Nesta fase o clube não tem condições para isso e temos de ser claros e honestos com os nossos adeptos”.
Questionado sobre as anteriores direções, o novo presidente refere que “quem nos antecedeu teve incríveis dificuldades. Os problemas do Tirsense já vem de décadas. Quem cá esteve fez o trabalho possível, deram o seu melhor, mas este barco é complicado. Posso dizer que o Tirsense está a ser a universidade da minha vida. Infelizmente não tive chance de ir para a faculdade, mas posso dizer que estou a ter essa felicidade agora aos 50 anos. Aprendo todos os dias. Este é o trabalho mais árduo da vida de cada membro desta direção”.
Dentro das dificuldades vividas pelo clube, importa salientar que o Tirsense tem um relvado com 30 anos no estádio e não tem campo suplementares. Os treinos acontecem na periferia da cidade, onde estão vários outros clubes. Face a essa falta de infrasestrtuturas, trabalhar a formação é um projeto complicado e mais do que nunca o Tirsense vai precisar de adeptos e associados para poder investir em novos equipamentos.
“Quem vier aqui jogar tem de tremer”
O que se pode esperar do Tirsense para a próxima temporada? Para o principal responsavl do clube a respostas é simples: “Quando isto abrir, vamos ter a casa muito bonita, para que as pessoas se sintam confortáveis. E que percebam que estão a assistir a um espetáculo. Ao mesmo tempo vamos ter uma equipa à nossa imagem: combatentes. O nosso estádio é intimidante, com um ambiente british, com bancadas em cima do jogo. O Abel Alves cheio intimida qualquer equipa. Seja o Freamunde ou um dos grandes. E temos de tirar partido disso. Quem vier aqui jogar tem de tremer”.
O Presidente deixa ainda uma mensagem para os adeptos e associados do Tirsense: “As pessoas conhecem-nos. Nós somos todos daqui, não somos uma SAD. Mas temos as valências de uma SAD, no sentido de que nada é aprovado sem o consentimento de todos. E não vamos colocar o clube as mãos de ninguém. Nem vamos fazer nada com uma segunda ou terceira intenção. Há uma intenção apenas que é fazer do Tirsense um dos motores da cidade. Porque somos de Santo Tirso e amamos a nossa cidade”.